Como estou desalineando, vai aí a coragem para publicar meus próprios contos.
A casa torta
A moça dividia o apartamento com o noivo, ex-amante, que era também ex-marido da sua ex-melhor amiga. O aluguel era caro, mas ela insistia em morar no apartamento por causa da vista. Vista privilegiada da janela do banheiro. Não era frente para o mar, não era frente para as montanhas. A vista era frente para uma casa torta, de janelas com grades.
A casa era azul, cor ilusória do mar. Mas a casa não era ilusão. A casa era mesmo torta. A moça acostumou-se a tomar banho todos os dias namorando. A casa, não o noivo. O banheiro do apartamento não tinha espelho. O espelho era a casa. Frágil, estava sujeita à desmoronamento, desequilibrada sobre as bases. A casa, não a moça.
A moça não tinha bases. Não conseguia equilíbrio nem mesmo na ponta dos pés. Sofria de síndrome da perna inquieta, da mão inquieta, da cabeça inquieta. Vivia em conflito com seus pensamentos. Angústias que encontravam alento, quando adentravam as grades das janelas da casa torta, que estavam sempre abertas.
Um dia, ensaboando os cabelos, encontrou as janelas da casa fechadas. Se zangou tanto que resolveu romper. Com a casa, e também com o noivo. Mudou-se para o apartamento de cima, e prometeu nunca abrir a janela do novo banheiro.
Tempos depois, curiosa, não resistiu e espiou para ver se a casa continuava lá. Precisou ficar na ponta dos pés para ver. E foi na facilidade que encontrou para ficar na ponta dos pés que descobriu que a casa continuava lá, e com as janelas abertas. Quem não estava mais lá era ela.
Fico me perguntando se a moça mudou pro apartamento de cima porque não quis se afastar muito. Da casa antiga, não do noivo. E também se ela continuava vendo torto. O noivo, não a casa.
ResponderExcluirEla se afastou muito sim.
ResponderExcluirA distância para ela não era física.XD